02 outubro 2009

Novo livro - O Bom Político?

Bom? Politico Português - Novo Livro cap.5 - As remunerações (está no bom caminho mais uma obra incompleta).

As remunerações

O político português vive a sua vida activa à custa do sistema. Não é de estranhar que aos sessenta e cinco anos saia para a reforma sem saber o que é trabalhar no verdadeiro sentido da palavra. Uma espécie de privilegiados que recebem um subsídio mínimo de reinserção, só que este subsídio é cinco ou seis vezes mais elevado.

Tudo começa quando alguém hierarquicamente superior no partido, ou simpatiza, ou recebe uma chamada a pedir a restituição de um favor antigo, ou é incumbido por alguém ainda mais acima, e apadrinha o jovem para que este cresça politicamente numa confortável e familiar estufa, onde pode criar raízes próprias e mesmo abraçar novos horizontes. Nos tempos medievais seria como o cavaleiro decidir escolher um novo escudeiro, hoje será como um grande golfista escolher um jovem promissor como seu caddie. O certo é que esse apadrinhamento traduz-se no primeiro cargo remunerado – o assessor.

O assessor recebe uma remuneração atractiva e em princípio faz um trabalho de secretaria, mas na realidade não faz grande coisa, pois secretária já o politica de carreira que o apadrinhou tem e convenhamos, ela é muito mais eficiente, ficando o nosso jovem encarregado de ler e aprender com se produzem alguns projectos, ou assistir a algumas sessões plenárias para sentir o pulso à coisa, ou a simplesmente interagir com outros jovens assessores, sendo esse ponto a interessante socialização com os seus pares para medir forças.

Assim, a vida do assessor ganha uma nova dimensão, pois começa a definir os seus futuros rivais ou aliados nos corredores, e se o nosso jovem tiver um comportamento correcto e ético poderá ver ferido o seu futuro, enquanto um comportamento matreiro e intriguista poderá ser o início de felizes alianças pontuais. O meio-termo será sempre perigoso mas dará uma margem de manobra tremenda pois a intriga, a matreirice, a rectidão e a ética podem levar a mortes políticas consoante os tempos que correm, mas o meio-termo, cheio de permeabilidade e racional expressão da irracionalidade têm sempre lugar nos aparelhos partidários, pois é a expressão magnânima da cedência e do compromisso em prol dum status quo.

O nosso jovem com este ritual de iniciação entra no círculo na congregação, e por um período curto passeia e pavoneia-se por entre os corredores pensando erradamente que o que está a fazer é trabalhar, quando na realidade ele é como um outro qualquer jovem que pratica uma modalidade desportiva de confronto na sua primeira época como profissional. Ele está somente a absorver experiências no circuito até ter o seu primeiro main-event político, que só surgirá muito mais tarde na sua carreira, pois os primeiros contactos que estabelece e consegue abraçar como assessor são para consumo imediato numa primeira fase, e só voltarão a ser usados numa segunda fase anos depois.

Assim, cumprido o estágio inicial, com um novo dinamismo imprimido pela obtenção de ordenados, que permitiram um novo estilo de vida mais afastado da dependência familiar, chega a altura de o vínculo com o padrinho ser momentaneamente quebrado, pois mais um jovem sai da formada partidária e também este precisa de ser iniciado.

Aí, o jovem político pode escolher procurar um verdadeiro emprego, para mais tarde voltar com maior credibilidade como alguém que saiu do ninho, voou e depois voltou para se impor no bando, correndo o risco, que nunca é total, pois poderá ser perdoado em troca de um rebaixamento hierárquico temporário, de falhar e cair sem o amparo forte e tentacular do partido na sua nova profissão, retornando ao partido com uma pequena derrota.

Também pode fazer o óbvio e mostrar um pseudo-dinamismo empreendedor e juntar-se às amizades criadas no seu tempo de assessor e criar uma empresa. Curioso é que em Portugal esse espírito empreendedor acabe por se traduzir sempre uma empresa de consultadoria, ou de sondagens, ou de marketing político.

E, como é óbvio, esse ramo implica sempre a união de esforços dos ex-assessores e agora sócios, para atrair os seus ex-contratantes e amigos para felizes e proveitosos negócios que levam a empresa a conseguir resultados positivos e consequentemente a ser considerada uma empresa de sucesso e os seus criadores, em gestores de reputada cotação na praça.

Na realidade tudo mais não passou do que um conjunto de práticas de mercado completamente cartelizadas entre um conjunto de jovens ambiciosos com contactos privilegiados e um conjunto de velhos que, nunca sabendo até onde estes jovens chegarão, preferem apoia-los e assim, sem gastarem do próprio bolso, ajudarem na criação de riqueza entre os membros da congregação.

É idêntico a, numa escala menor, uns rapazotes abrirem um café no bairro, e os velhos que têm que beber a sua bica e têm, lá vão dar o dinheiro aos miúdos para ajudarem no negócio, apesar de saberem que a bica lá é mais cara e mais fraca que a do café antigo do bairro, que também começou assim e tem muitos mais anos de experiência, só que está desactualizada.

Sucesso obtido, mais dinheiro no bolso sem um desgaste excessivo, sempre a criar novos conhecimentos que permitem possíveis novos voos, eis que chega mais um período de decisão crucial – abandonar o seu filho, criado com tantos favores, ou pensar que ele ainda pode crescer mais, apesar de muitos dos favores já começarem a ser cobrados e o esgotamento de contactos poder ser grave para novas alianças.

Se continuar na empresa, o nosso jovem poderá ser, a breve prazo, o café antigo do bairro, pois o miúdo que o substituiu com escudeiro também está a pensar em ser empreendedor e como nunca saiu para fora do seu círculo de amigos, não sabe o que é concorrer num mercado aberto, nem sabe se a empresa faz alguma coisa de jeito, só sabe que ela dá dinheiro.

Mas e se partir, para onde partirá? Para o passo seguinte. É óbvio que um jovem gestor com ligações políticas, que já foi assessor de um político de carreira, que já conseguiu impor-se com uma pequena e bem sucedida empresa, anuncia o fim da sua condição de sócio na pequena e bem sucedida empresa e abraça um cargo remunerado numa entidade com participação pública e com cargos por nomeação.

Ele será a pequena estrela em ascensão responsável por dirigir um qualquer departamento de uma empresa municipal, de um instituto, ou se estiver no ano certo, de uma direcção regional. E se for uma grande promessa, até pode pertencer como vogal ou secretário num conselho de administração. E ai, deixa de ser o jovem e passa para o adulto político.

O adulto político não tem de se preocupar muito com a sua condição na entidade. Os objectivos propostos prendem-se a nível de eficácia, ou seja, pode-se gastar o dinheiro atribuído todo sem que haja preocupações no sentido de contenção de custos. Os funcionários a seu cargo pertencem ao quadro e não têm o lugar em perigo. Os utentes não constituem um grande entrave porque normalmente precisam mesmo do serviço prestado e não procuram confusões, apenas facilitismos. A projecção da entidade também não é muito grande, até que haja alguma confusão dramática, por isso, o que se passa dentro de portas não costuma ser escrutinado em praça pública.

Arrecadado mais um proveitoso ordenado a troco de algum/pouco trabalho, o nosso adulto político reinicia os contactos, mas desta feita a um nível mais elevado, e mais importante que isso, devido ao seu posto e curriculum vitae de sucesso, os favores pedidos até à data começam a ser cobrados numa perspectiva mais exterior, mais aberta aos meios de comunicação.

Os artigos de opinião e as crónicas começam a ser encomendados pelos superiores, e com o seu estatuto recém-adquirido o adulto político, em plena praça pública, emite opiniões que mais não são que simples bajulação e que em muitos casos até chegam a ser bem remunerados.

Com as boas graças adquiridas e com a certeza que o povo esquece muito do que é dito ou escrito, podendo mais tarde, conforme o clima político, as palavras outrora pessoais terem um outro significado, o adulto político começa o período de projecção independente nos média à espera que o partido lhe atribua algum cargo semanal num jornal de bem ou num programa dos canais por cabo como porta-voz do partido, pois ai, conforme as várias técnicas de benchmarking, a sua projecção no interior da congregação poderá dar belos frutos.

Tudo conjugado e temos, depois destes passos, duas décadas a receber directa ou indirectamente as remunerações à custa do contribuinte e só meia dúzia de pequenos favores pagos aqui e ali e a máquina precisa de mais, tal como o adulto político quer mais, pois já está de olho na entrada para o sector privado que é ai que se vai buscar as boas quantias. É então requisitada a luta com os diferentes companheiros de partido para de lá saírem só os mais fortes para as diferentes listas eleitorais.

A luta pode ser épica. Uma coisa é certa, no fim mal ninguém vai ficar mal. Uns ficam no mesmo ponto em que entraram, outros sobem de posição nas entidades em que estavam, outros ficam-se pelas autarquias, outros viajam algumas direcções gerais, outros entram em entidades reguladoras, e os mais ambiciosos desaguam em Lisboa para percorrerem os corredores do parlamento, havendo até alguns com mais estatuto que se exilam pela Europa ou pelas embaixadas. Há lugar para quase todos.

Não nos enganemos. O que está resumido em meia dúzia de cargos acima é na realidade um grande centro de emprego e formação profissional que atribui colocação a pessoas que, materialmente, não contribuíram em nada para o enriquecimento do país, mas prestaram vassalagem e foram alvo de constantes lavagens cerebrais e foram moldados anos e anos por uma doutrina partidária que não lhes permite ver nada para além do que o partido vê, e as manifestações de descontentamento e tumulto que às vezes acontecem ou são a prever uma retirada forçada ou para aproveitar uma fraqueza momentânea de algum rival e nunca em prol do bem comum.

A entrada na lista em lugar elegível é a jogada mais importante e mais difícil de obter, mas se os favores forem pagos e pedidos na altura certa ao longo da carreira, às vezes nem é preciso ter uma única ideia produtiva, basta apenas sorrir para a foto de família, e pensar nos contactos a fazer para a nova subida de nível remuneratório.

Atingido o topo da carreira partidária, como eleito para um cargo de interesse nacional chega, para os mais iluminados e com melhores performances, a altura de assumirem durante um ou dois mandatos o estrelato perante a comunicação social, para o dinamismo adquirido nos desdobramentos entre jantares de apoio promovidos junto de empresários, se tornar na emancipação final perante o trabalho. Existem somente duas opções – lutar para renovar consecutivamente mandatos e tornar-se funcionário público, ou aproveitar a altura certa para voltar ao privado num excelentemente remunerado cargo como membro do concelho de administração. Curiosamente, existe a particularidade de uma maioria destes verdadeiros artistas optarem pelo menos remunerativo cargo público. Sempre é bom para receber a tempo e horas, nos bastidores obter bons negócios e bons cargos para familiares e amigos, e não ser julgado quer judicialmente, quer por resultados anuais apresentados.

São escolhas a tomar. Porque para chegar a senador para depois dizerem tudo aquilo que lhes apetece ainda demora um bocadinho. Mas isso podemos ver num outro capitulo.

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