18 abril 2013

Só os Jovens podem Quebrar


Só os Jovens podem quebrar

Nota Introdutória
Este livro não vai ser fácil de escrever. É escuro. Escuro demais até para a minha imaginação. Totalmente diferente do anterior.
O pano de fundo é um país dividido, perdido e sem esperança. A personagem principal é um homem cheio de bons valores mas sem espaço para os aplicar numa sociedade que se irá limitar a usá-lo e deitá-lo fora em cada degrau que ele percorre até à descida para uma decisão irreversível. Não sei se vou conseguir transmitir tudo isso nele e nas ligações dele com as outras personagens. Contudo, estes dois primeiros capítulos são dos poucos onde teremos a ideia de que as coisas podem ser melhores. Mas não o serão. Fica já o aviso. O primeiro dá um cheirinho sobre a sociedade a que ele pertence e a forma como ele vive. O segundo mostra amor e… sexo. Porquê? Porque nem tudo é o que parece… E mais para a frente certamente este capítulo que parece muito terno e até intenso, não será assimilado da mesma maneira…
Os restantes capítulos estão totalmente estruturados no guião e na minha cabeça… Apenas não estão desfragmentados em inúmeras palavras.


Capítulo 1

00.58 - Quarta-feira, 15 de Novembro de 2012:

Não consigo adormecer! Bem que queria, mas lá fora o estado caótico da cidade angustiada lança uma nuvem de raiva que rodeia a minha janela e ameaça entrar em cada uma das frinchas sob a forma de um ar frio, húmido e melancólico, para tornar este meu pequeno e último refúgio em mais um canto sem esperança, neste local abandonado por Deus.
Oiço gritos de protesto e contra movimentações de agressão indiferenciada a ecoarem pelas paredes do apartamento, como se o início de uma guerra civil não fosse um pensamento descabido, mas uma palpável acendalha junto de madeira e combustível.
São manifestantes a levarem o seu direito à indignação a extremos de destruição gratuita e polícias de intervenção com ordens totalitárias para não deixarem a indignação ter voz física nas paredes, nas montras, nas estradas. A única marca permitida nas ordens que ressoam chama-se sangue. Sangue intimidatório.
Oiço um estouro enorme! E nas paredes do quarto, fogo encardido reflecte-se como se uma chama estivesse a passear ao longo da rua.
Mas, se existe verdadeiro “cocktail molotov”, este é de pessoas contra pessoas a explodirem-se umas contra as outras, apenas com raiva nos olhos.
O simples motivo que originou tudo no dia de hoje - umas estarem contra as acções de governantes que não se importam com as especificidades das suas necessidades e outras estarem a cumprir ordens para salvaguardar as suas próprias necessidades – apenas serve a quem provocou o caos.
Quem provocou o caos, certamente não foram os que agora se confrontam.
Foram aqueles que não possuem coragem para dar a cara. Frente a frente perante as adversidades. Aqueles que devem assumir as suas responsabilidades. Explicar as suas acções. Demonstrar a coragem humana de liderança.
Porque quem provocou o caos alimenta-se deste. Da sua natureza monstruosa. Destruidora de sonhos simplicistas. Criadora de medos, intrinsecamente assimiláveis.
Quem criou esta babilônia precisa de cinzas de corajosos entes menores para se reconstruir. Refundar novas ideias de poder. Confronto entre classes de irmãos. Incerteza e indefinição. Tempo e desespero.
Finalmente, subserviência de almas despojadas de força para lutar… Ansiosas por um pão duro.
E, porque ser rastilho, incitador, instigador, inflamador, é extremamente fácil quando a protecção está assegurada por princípios nucleares da natureza humana que verifica numa personagem facilmente detestável a possibilidade de redenção, caso a protecção física falhe.
Porque quem hoje luta contra irmãos com raiva… Amanhã, invariavelmente, perdoará quem o considera filho bastardo.
Mas ainda quero dormir. Preciso de dormir.
Aqui sozinho. Longe da confusão enorme que preenche os cantos à povoada rua.
Aqui sozinho. No meu pequeno canto, que preenche todos os requisitos para fechar os olhos e sonhar com dias melhores.
Amanhã tenho que trabalhar! Tenho tanta coisa para fazer!
Já não durmo bem há dias e estou desgastado com toda esta situação. Todo este cinzento que reside na sociedade.
Como deixamos chegar as coisas a este ponto? E porque é que eu continuo a pensar? Porque é que estou preocupado? Tenho o meu emprego. Tenho a minha casa. Tenho a minha vida. Tenho comida no estômago… Sobrevivo.
Neste momento, sobreviver é a única forma de viver. Principalmente para quem tem um cadastro como o meu.
Será que tenho alguma coisa para tomar na farmácia?
Levanto-me? Sim. Aproveito para mijar, que pode sempre ajudar qualquer coisa.
Como é que ainda consegue-se ouvir o barulho lá fora? Que coisa feia.
Os meus pés vibram num taco convertido em onda de madeira desconforme. Até o pó acumulado levita, tal é a agitação lá fora.
Cada passada, longe do recolher reconfortante que é a minha cama torna-se um foco de angústia, incerteza, medo.
A porta da casa-de-banho também está a baloiçar ao som de cada petardo. Ao menos as paredes não estão a perder tinta ou a rachar…
Entro na divisão mais fria da casa mas também a mais clara. A luz que acende-se, por instantes encandeia os meus cansados olhos. Mas recupero rapidamente a visão, para encontrar o espelho da farmácia a mostrar-me uma cara desgastada, destruída, doente, desumanizada.
Abro a farmácia. Não quero mais ver esta figura que não conheço!
Mas está completamente vazia de medicamentos.
Ela levou-os todos quando fugiu…
Deixa-me mijar. Pelo menos isso.
Como o mijo flui tão branco até à retrete? Sem dúvida, não estou a abusar na alimentação. Um pequeno prazer, esvaziar a bexiga. Está a saber bem. Isto, certamente, vai reconfortar-me e acalmar-me. Vou adormecer bem, sem dúvida.
Acabo. Sacudo. Viro-me e lavo as mãos. Purificação do corpo. Sinto-me bem. O barulho torna-se secundário perante a certeza de que agora vou dormir. É uma certeza que trago comigo.
Atiro-me para a cama e enrolo-me nos cobertores! E o corpo parece saber que vai aquecer rapidamente! Volto a um estado de relaxamento que já não sentia a algum tempo!
Levantar-me foi boa ideia! Até deu para esquecer um bocado o barulho.
E, agora a reaquecer o corpo, tudo parece bater certo.
Os problemas acontecem. Toda as civilizações, melhor… Toda a humanidade vive de recorrências históricas.
Se este é um período negro? É, claro. Mas podemos dar a volta por cima. Como tantas vezes se deu, e se dará.
Eles, lá fora, vão perceber isso. E quem manda também vai perceber isso. As coisas vão mudar. O meu emprego vai melhorar as condições. A minha vida vai dar uma volta.
Talvez, até ela perceba que errou e volte para mim! Sim, isso pode acontecer. Eu estou aqui à sua espera. Crente que vai voltar a reparar em mim e nas atitudes certas que tomei.
Porque raio me sinto tão perdido? Foda-se! Fiz tudo bem. Agi sempre correctamente. Não percebo! Merda! Quero dormir!
Respira Artur. Respira. O mundo está em pantanas lá fora e tu estás a pensar nela? Sempre a pensar nela? Ela trocou-te! Escolheu o teu benjamim. Num momento em que deveria apoiar-te. Estar lá para ti. Ela fugiu logo para os braços dele! Nem te deu tempo de remendar as coisas! E tu agiste sempre para a proteger! Ela tem um filho. É dele. Foste traído. Pára de pensar nela e dorme, caralho!
Amanhã tenho que fazer a troca dos cd’s de gravação. Se não zelar por aquilo também ninguém se importa. É esquisito como uma central que alimenta toda uma cidade, uma verdeira peça estratégica, deixa que a segurança seja tão descurada.
Realmente, com tanto dinheiro lá investido, com esta turbulência nas ruas, a administração ter investido milhares na frota automóvel e manter o raio do sistema de vigilância no século passado… Paspalhos. É que nem reforçaram no pessoal. Só estou eu e o Pedro. E à vez. Se acontece alguma coisa a um de nós, a central fica completamente desprotegida. Porra! É que se me chamam para substituir o Pedro por qualquer motivo, ainda demoro uns bons quarenta minutos a chegar lá… E não há mais ninguém no imediato. Vão meter um funcionário administrativo na sala de segurança até eu chegar? É isso. Amanhã, se tiver tempo, vou elaborar um plano de contingência para qualquer eventualidade e falo com o Pedro na troca de turno a ver se ele concorda. Se estiver bem até o levo à administração. Não que me paguem qualquer coi…






Capítulo 2

A luz entra candidamente, conforme a porta se abre no quente e aconchegante quarto. Irradia uma cama preenchida por um enrugado cobertor que protege o corpo masculino, completamente nu. Pele humana e pelo artificial, misturados numa perfeita sincronia de protecção ao sonho que habita no subconsciente deste ser deitado.
Mas se a porta abre, é porque são duas as almas que agora partilham este espaço.
O doce cheiro, naquela suave pele coberta por uma camisa larga de homem que esconde a perfeição de um corpo feminino, rapidamente atinge a mesma dimensão de grandiosidade que a luz trouxera inicialmente à divisão.
Os passos são carinhosos demais para fazer o soalho tremer. Apenas levantam pequenas partículas de pólen depositadas no chão, pois este quarto faz fronteira com todo um colorido jardim, que está ainda semi-tapado pelo cortinado prestes a afastar-se em cada passo que aquele ser único, impossível de amar plenamente sem se viver eternamente, dá. Faltam quatro suaves passos… Três suaves passos. Dois suaves passos, um suave passo. Todos dados sem que o corpo deitado acorde.
O cortinado é afastado para um dia fantástico entrar, mas mesmo assim os olhos mantêm-se fechados. Terá que ser o toque daquela mulher perfeita, a acordá-lo.
Ela ajoelha-se junto à face dele e não sussurra nada de imediato. Fica imóvel. A guardar uma fotografia mental daquela cara a sonhar.
Ele não é lindo. Ele não é bom. Ele não é genial. Ele é normal. Completamente normal. Sem traços característicos. Olhos castanhos. Cabelo preto. Pele clara. Normal.
Tudo que o faz especial está no interior. Na pessoa honesta, pura, lutadora, idealista e única que também é. Na forma como ama e deixa-se amar pela mulher que finalmente estica-se, para carinhosamente tocar no cabelo dele.
Os espaços entre os dedos são rapidamente preenchidos com um terno deslizar da mão junto a uma raiz bem negra. O movimento é contínuo e reconfortante. Demais até, se o objectivo é acordar alguém.
Por isso é que a saliva ganha força nos lábios… E suavemente a voz expele doces palavras que começam o monólogo prestes a transformar-se em diálogo:
--
Cátia : Amor. Mor. Acorda. Está na hora. Abre os olhos.      
--
Um preguiçoso olho com remela abre e cria rugas na face dele. Mas a imagem… O cheiro... A luz... Um sorriso de felicidade é rapidamente o motor que liga todo o mole corpo para presenciar aquela paisagem divina.
Linda. De olhar aveludado e intensamente atento, cabelo dourado e marcadamente lustroso, lábios carnais e misteriosamente brilhantes.
Perfeita. De pele clara e magnificamente cheirosa, corpo fantástico e magicamente esculpido.
Única. Com uma personalidade ímpar: Genial, inteligente, simpática, trabalhadora, emotiva, apaixonada e todos os antônimos dessas palavras de um momento para o outro, tal é a charmosa tempestade que habita na sua alma.
A musa para tudo de bom que este homem é. A eterna paixão dele. A única capaz de o fazer levantar para as vinte e quatro horas mais importantes da vida de ambos: 
--
C: Anda. Está na hora. Hoje é o teu grande dia! Já tenho o teu pequeno-almoço preparado.
Artur: Olá!
C: Olá!
A: Amo-te!
C: Eu também te amo… Mas vou-te bater se não te pões a pé!
A: Então bate! Não saio daqui!
C: Já te preparei o pequeno-almoço. Tens a roupa toda engomada. O teu discurso está na mala. Acordei-te com muito carinho e cuidado. E estás a fazer-te de preguiça, mor?
A: Sim! Tens que me tirar daqui à força!
C: Anda lá!
--
Cátia levanta-se e começa a puxar-lhe o cobertor com um sorriso cerrado. Artur prende-se ao cobertor como se fosse um manto real.
Só que Cátia, com uma mistura de força e jeito, consegue puxar para si o espólio da preguiça. Fica a visão de um homem despido à sua frente…
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C: Que bonito! Parvinho. Anda lá vestir-te!
A: Não! Tens que me tirar à força da cama!
C: Hoje é o teu dia Artur! Não podes chegar atrasado. Anda lá! Deixa-te de criancices! Não vou aí! Estás a deixar-me chateada agora!
--
Artur levanta-se rapidamente. Confronta rosto masculino com rosto feminino. Sorriso completo com sorriso escondido. Pele nua com tecido suave. Olhar intenso com olhar desconfiado. Lábios despertos com lábios trincados. Paixão com hesitação.
E prende-a a si rapidamente com a força de uns braços, até agora repousados.
--
C: Artur, arre! Não! Estamos atrasados.
A: Um beijo?
C: Já sei que se te beijo, tu vais querer mais. Não!
A: Um. Prometo. E vou vestir-me.
C: Um só.
--
Mas, um beijo nunca é só um beijo.
É o mecanismo que liga todos os outros sentidos.
É a lembrança que perdura no sabor dos lábios.
É o vírus que se alastra para o arrepiar da pele.
É o toque que encoraja os corpos a unirem-se mutuamente.
É o choque que deixa os órgãos num hiato momentâneo.
É o pavio para a intimidade ardentemente desejada.
É a primeira batida que sai dos sentimentos guardados nos corações de dois amantes.
Um beijo nunca é só um beijo…. São dois… São três... São quatro… São suaves… São deliciosos… São puros… São sedutores… São intensos… São o começo…
Os dois amantes percebem isso com a mesma rapidez que um relâmpago percebe que encanta os olhares indiscretos da humanidade ao rasgar o céu de forma visível na janela do quarto, nesse preciso momento.
Como o relâmpago, rapidamente a camisa é rasgada do corpo feminino, incapaz de suster o desejo de um homem possuído por uma paixão que o faz transformar-se num enorme pedaço de pele musculada, que anseia por tocar em todas as partes que unem a si um outro corpo também já despedido.
O descer dos lábios masculinos para perto de um ouvido feminino, que agora já só deseja ouvir gemidos, provoca veias salientes, cheias de paixão bombeada rapidamente por um coração que começa a ganhar a batalha a um cérebro prestes a perder objectividade:
--
C: Mor… É melhor… Melhor… Parar.
A: Sim. Daqui a nada…
C: Mor. Não temos… temp… Mo…
A: Xiuuuu…
--
A cama rapidamente volta a ser ocupada num salto de fé que estremece as molas.
Pelos dois.
Unidos como um só.
Primeiro ele. O animal que percorre o corpo dela com a asperidade arrepiante e excitante de umas mãos bem vincadas, e a humidade medida de uns lábios que se unem aos dentes para suavemente trincar os seios femininos, nos interregnos de uma língua incapaz de ficar quieta, tal é o sabor da suave e frutada pele desta mulher perfeita.
Primeiro ele. O animal que afasta as pernas dela com a força dos seus braços para descer beijo a beijo, toque a toque, a sua cabeça até à união de anatomicamente diferentes lábios. Os dedos juntam-se rapidamente, tal é a chama e a necessidade de toque. As cuecas dela desaparecem instantaneamente para um canto do quarto.
O barulho já não mais se vai basear em palavras devidamente conjugadas, mas sim em honestos gemidos de prazer.
E gemido a gemido cresce o desejo.
Primeiro ele. O animal sobe repentinamente os seus lábios de volta aos seios, de volta à boca dela. As pernas continuam afastadas. Mas agora separadas por um tronco másculo que começa a movimentar-se, como que perdido à procura de um ponto de união. É o músculo completamente erecto dele que encontra o encaixe perfeito.
E os movimentos começam a ser constantes.
E as línguas prendem-se uma à outra para abafar o barulho dos gemidos.
E a cama cria um som mecânico, demonstrativo da força com que a penetração é efectuada.
E o suor a escorrer pelo corpo dele demonstra que estes minutos, que mais parecem eternos segundos de prazer, são intensos.
E uma força suprema percorre o corpo dela.
Agora ela. A divindade que consegue fugir do encaixe, só para sorrir e virar em força um corpo duas vezes mais pesado que ela à sua mercê. Pois é a sua vez de usar o desejo em benefício próprio, com a sua boca a beijar ferozmente o salgado corpo masculino.
Agora ela. A divindade que com a língua deixa desesperado, mas curioso, o homem que a observa a descer pelo seu corpo.
Mas pára de repente, olha cerradamente e sorri maquiavelicamente para ele, antes de continuar a descida do prazer, só para o seu loiro cabelo tapar toda a erótica visão que ele teria no momento em que a mão dela agarra-o com toda a força.
Antes de abrir a boca e soltar a língua, mais um levantar da cabeça para que ele tenha a certeza que está a ver a mais bela mulher do seu mundo, com um olhar completamente fulminante para o seu frágil coração de animal.
O cabelo desta vez só tapa parte da visão, pois a cabeça afasta-se para que a língua tenha espaço para se mover e a boca abrir, para com movimentos suaves, juntas fazerem desaparecer todo o órgão masculino, deste homem que já só revira os olhos, tal é o prazer.
Agora ela. A divindade acha que chega de gozo dividido. Mostra todo o esplendor das suas formas com um elevar poderoso do seu corpo, e com a mão prende no seu interior a erecção que atinge uma dureza tremenda.
E a cama torna-se numa visão estonteante de um corpo a levitar sobre o outro numa clara sinfonia de sentidos despertos. Rangue, tal é o saltar de um sobre o outro.
Aquela figura divina dança presa ao animal com cada vez mais violência.
O seu rabo começa a serpentear incessantemente enquanto os seios criam uma vibração pelo corpo sedutoramente erguido.
A energia é demasiado intensa para durar muito mais tempo.
Os gemidos começam a sincronização.
O corpo dela desce para voltar a tocar o dele. As mãos de ambos agarram-se mutuamente com uma vontade arrepiante. Os olhares cruzam-se num rodopio extasiante. Os lábios retornam a sentir a saliva de ambos. Uns rápidos e finais movimentos…
A paixão é sentida como electricidade. Como um relâmpago. Como o primeiro beijo do dia…
Como o verbo amar é conjugado num último gemido conjunto.
Um beijo nunca é só um beijo.