12 julho 2013

Só os Jovens Podem Quebrar (início do Cap. III)

Capítulo 3

06.45 - Quarta-feira, 15 de Novembro de 2012:

O despertador acorda a radio com um dos hits do momento…
“When food is gone you are my daily need.
When friends are gone.
I know my savior's love is real. Your love is real
You've got the love…”
Mas a noite foi demasiadamente mal passada para a mão não espetar uma valente chapada no botão de “Snooze” e amor ser a última palavra proferida.
Podiam ser tantas outras palavras. Tantas outras músicas. O trânsito. As notícias. Não. Um dia mau parece começar. Um igual ao de ontem? Pior? Melhor? Não interessa muito… Os dias de cão não acabaram para mim.
O meu nome é Artur Ellis. Trabalho dez horas por dia numa central eléctrica! E é horrível! Um trabalho de merda! Tenho que acordar todos os dias neste t-zero nos subúrbios desta cidade semidestruída! E todos os dias a esta hora de merda! E nem o radio sabe escolher uma música menos má…  
Tenho trinta e três anos e não sei que posso fazer para a minha vida ser melhor.
Sento-me no balcão de uma pseudo-cozinha com vista para a sala, porque metade dela é mesmo a sala. Nem ligo ao facto de a loiça estar a se acumular de forma preocupante desde que tenha sempre uma malga e uma colher para os cereais mais intragáveis e baratos que um supermercado possa vender, serem regados por um leite de soja – obrigatório devido à minha intolerância à lactose. Merda, também se aplica ao pequeno-almoço.
Hora de me vestir. A merda do fato-macaco castanho cor de merda. Nem sei porque me queixo dele se é uma escolha fácil e que não complica a manhã. Mas é uma merda…
Higiene pessoal é o passo seguinte.
A casa de banho é o que é: Um espaço para largar merda e lavar-me.
Olho de novo para o espelho da farmácia. Barba por fazer e completamente dividida entre pêlos brancos, castanhos, pretos. Dentes ligeiramente amarelados tal a mistura abusiva de café e cigarros. Uma expressão sem sorriso possível, mas vincada em rugas e pontos negros de desleixo. Contudo gosto de colocar um pouco de Nivea para não ficar com a pele demasiado seca.
Apesar do amarelado, escovar os dentes faz parte da rotina também. Com uma pasta de dentes com sabor de merda.
Enquanto a face é trucidada no espelho conforme o movimento da escova, revejo a minha monstruosidade na perfeição simplesmente pela fixação propositada num olhar sem brilho:
Ninguém me conhece. Ninguém se interessa pela minha vida. Sabe pelo que passo. Sabe da minha solidão. Sou um vazio que vive despercebido pela sociedade. Uma história inicial de luta, coragem, amor. E um final de perda, abdicação, traição. Nada me dá prazer na vida que não o sofrimento de ainda a desejar. Ainda sonhar com ela. Ainda ter esperança num dia melhor. Aguento por um amor que não é correspondido.
A merda da escova rasga-me as gengivas ao cuspir espuma com sangue.
Pronto. Tudo está feito.
Hora de sair. Um último olhar para este sítio mais cinzento que a minha própria alma. É a casa que mereço, no fundo. O reflexo de um conformismo que vive para sonhar, sobrevivendo até lá com a dura realidade de respirar.
A porta fecha. 
O meu nome é Artur Ellis, e estou na merda!

E o dia ainda mal começou!