Capítulo 3
06.45 - Quarta-feira, 15 de
Novembro de 2012:
O despertador acorda a radio
com um dos hits do momento…
“When food is gone you are my
daily need.
When friends are gone.
I know my savior's love is
real. Your love is real
You've got the love…”
Mas a noite foi demasiadamente
mal passada para a mão não espetar uma valente chapada no botão de “Snooze” e
amor ser a última palavra proferida.
Podiam ser tantas outras
palavras. Tantas outras músicas. O trânsito. As notícias. Não. Um dia mau parece
começar. Um igual ao de ontem? Pior? Melhor? Não interessa muito… Os dias de
cão não acabaram para mim.
O meu nome é Artur Ellis. Trabalho
dez horas por dia numa central eléctrica! E é horrível! Um trabalho de merda!
Tenho que acordar todos os dias neste t-zero nos subúrbios desta cidade
semidestruída! E todos os dias a esta hora de merda! E nem o radio sabe
escolher uma música menos má…
Tenho trinta e três anos e não
sei que posso fazer para a minha vida ser melhor.
Sento-me no balcão de uma
pseudo-cozinha com vista para a sala, porque metade dela é mesmo a sala. Nem
ligo ao facto de a loiça estar a se acumular de forma preocupante desde que
tenha sempre uma malga e uma colher para os cereais mais intragáveis e baratos
que um supermercado possa vender, serem regados por um leite de soja –
obrigatório devido à minha intolerância à lactose. Merda, também se aplica ao
pequeno-almoço.
Hora de me vestir. A merda do
fato-macaco castanho cor de merda. Nem sei porque me queixo dele se é uma
escolha fácil e que não complica a manhã. Mas é uma merda…
Higiene pessoal é o passo
seguinte.
A casa de banho é o que é: Um
espaço para largar merda e lavar-me.
Olho de novo para o espelho da
farmácia. Barba por fazer e completamente dividida entre pêlos brancos, castanhos,
pretos. Dentes ligeiramente amarelados tal a mistura abusiva de café e
cigarros. Uma expressão sem sorriso possível, mas vincada em rugas e pontos
negros de desleixo. Contudo gosto de colocar um pouco de Nivea para não ficar
com a pele demasiado seca.
Apesar do amarelado, escovar os
dentes faz parte da rotina também. Com uma pasta de dentes com sabor de merda.
Enquanto a face é trucidada no
espelho conforme o movimento da escova, revejo a minha monstruosidade na
perfeição simplesmente pela fixação propositada num olhar sem brilho:
Ninguém me conhece. Ninguém se
interessa pela minha vida. Sabe pelo que passo. Sabe da minha solidão. Sou um
vazio que vive despercebido pela sociedade. Uma história inicial de luta,
coragem, amor. E um final de perda, abdicação, traição. Nada me dá prazer na
vida que não o sofrimento de ainda a desejar. Ainda sonhar com ela. Ainda ter
esperança num dia melhor. Aguento por um amor que não é correspondido.
A merda da escova rasga-me as
gengivas ao cuspir espuma com sangue.
Pronto. Tudo está feito.
Hora de sair. Um último olhar
para este sítio mais cinzento que a minha própria alma. É a casa que mereço, no
fundo. O reflexo de um conformismo que vive para sonhar, sobrevivendo até lá com
a dura realidade de respirar.
A porta fecha.
O meu nome é Artur Ellis, e
estou na merda!
E o dia ainda mal começou!
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