06 novembro 2012

Mesa 5 - Parte VII (primeiras 4 páginas)

Parte VII

Catarina – (Uma história de amor pode ser contada de mil e uma maneiras.
Pode ser feita de louco e acelerado olhar, ou terno e perpétuo toque.
Durar um dia, ou estender-se para lá da eternidade.
Todos sabem contar as histórias de amor dos pais, avós e irmãos da maneira mais floreada e rebuscada, que nem um livro de duzentas páginas consegue transmitir.
Ou da forma mais irresponsável e instantânea, que só uma simples balada sussurra no ouvido.
Cada um vê um filme sobre o amor com um sorriso rugoso e tímido ou uma lágrima deslizante e sentida.
E, cada um vive a sua própria história de amor como uma tragédia grega ou luta de gladiadores romanos.
Poucos são aqueles que percebem desde logo que o amor e o ódio serão as lembranças mais duradoras nos seus corações.
As infinitas taquicardias que envelhecem cabelos e corroem a racionalidade dos neurónios.
E, poucos são aqueles que imperdoavelmente não perdoam o devaneio que o amor carrega na alma para os confins dos tempos.
Eu e tu somos esses poucos, tristes e ridículos humanos que apostam tudo no momento.
Aquele momento em que o mundo gira na perfeição e temos que saltar para o fazer mudar de órbita por um milésimo de segundo e alterar para sempre a vida de todo um planeta, todo um sistema solar, toda uma galáxia, todo um universo. Só porque o salto foi perfeito e foi para nos agarrarmos mutuamente com tamanha paixão que a chama, a tal chama de que se fala à boca cheia, é imensa, bela e ofegante no momento em que os corações se tocam e os lábios se beijam por entre a prisão dos braços que apertam a pele nua até ao osso.
E como é maravilhoso este momento. E como acaba tão rapidamente.
Porque nunca se pode gerir um fogo, onde ambos são chama e nenhum é o forno que a prende, e transforma paixão em mais que um amor, que se odiará instantaneamente no momento em que as chamas encontrem nuvens, frio e chuvas.
Muitos dizem que o segredo para o amor é saber manter a chama acesa.
Mentira, o segredo é um ser a chama, o coração e o outro, o receptáculo, o tálamo.
Um será sempre a perdição e o outro a redenção.
Um será sempre a loucura e o outro a razão.
Um terá que constantemente errar e aprender, e o outro terá que servir de corrector e professor.
Poucas vezes se trocarão posições, e serão sempre essas trocas as grandes vitórias pessoais que cada um terá e o motivará para mais uma ronda de horas, dias, meses, anos.
Não existe sítio no amor para dois sois, e se nenhum quer ficar com a tarefa de ser a lua…           
Mas eu e tu apostámos. Apostámos sempre tudo. Acreditámos no momento.
Amámos os efeitos pirotécnicos que as nossas faíscas criaram e vibramos como pirómanos sempre que a chama nos consumiu mais do que devia.
E apostámos que, duas personalidades iguais e inflamáveis conseguiam aguentar e sobreviver a um Verão cheio de calor e incêndios, com tanto oxigénio para consumir e tão poucas formas de se impedirem os nossos impulsos destrutivos.
E ganhámos dias fantásticos de destruição conjunta no calor de um Verão que nunca esqueceremos.
E perdemos uma eternidade unidos, com a ameaça das nuvens cinzentas. As incertezas criadas pelo frio soprado. O apagão que as primeiras chuvas, tão fracas e ridículas, conseguiram trazer.
E cinzas criaram este olhar afastado, sempre que te vejo a entrar no café.
Cada mulher que trouxeste contigo foi um relembrar forte de que não seriamos um do outro.
Cada entrada isolada e vacilante, devido ao álcool, foi um relembrar que algo na tua alma criava uma tempestade tumultuosa.
E cada discurso, gargalhada e brinde na mesa cinco, foi um relembrar que só tu podias atingir extremos de grandiosidade e pequenhez num só momento.
Nunca sequer pensei naquilo que tu sentias quando me vias. Quando era eu a entrar no café. Nem sei porque continuei a parar aqui depois desse Verão.
Não sei como mantive um manto de negação perante este homem que trata tão bem de mim e traí. Ele nunca fez nada por merecer este erro que cometi contigo. Eu nunca tive coragem de lhe contar e sempre consegui manter a estoicidade de uma rocha, indiferente à superfície, sempre que te via.
Nunca dei sequer um sinal de alerta ou de ciúme perante ti, até hoje.
Explica-me como consegui amar-te tanto? Em tão pouco tempo? Com tão pouco em comum? Com tantos riscos adjacentes? E simplesmente desliguei, de um dia para o outro, para contigo? Foi medo? Foi a clarividência do cérebro? Foi arrependimento? Foi a negação do que tu foste? Esquisito…
Tenho o melhor marido do mundo. É belo. É inteligente. É rico. É famoso. Cuida de mim. Trata-me como uma princesa. Ama-me.
Até tu gostas dele! Até tu vês nele uma pessoa às direitas, capaz de conversar contigo de uma forma saudável e amistosa, apesar dos mundos diferentes em que habitam.
E tu? Um farrapo de homem. Sempre à procura da redenção pelos constantes erros cometidos e sempre a cometer novos erros.
Incapaz de ser cordial numa conversa, pois o teu ponto de vista vive numa irredutibilidade medieval.
Sublime nas palavras que escreves e cobarde nas acções que as deveriam materializar.
E mesmo assim, capaz de me fazeres isto ao coração?
Perdi-te duas vezes e não sei se aguento manter o manto. Porque estas lágrimas não são só por ti. São por nós.
Nunca mais te beijarei. Nunca mais verei o teu sorriso. Nunca mais sentirei o teu perfume.
E foi tão lógico dizer que não te amava da primeira vez, porque sabia que, mantendo a nossa mentira, poderia sempre encontrar-te à distância e imaginar que um dia voltaria a sentir um conjunto de sensações tremendamente contrárias que se espalhariam pelo meu corpo sob a forma de arrepio.
Mas agora que o nosso olhar não mais se cruzará, perder-te desta segunda e terminal vez, está a destruir-me por dentro.
Abdiquei da loucura que seria o nosso amor conjunto, pela comodidade de uma relação simplicista e rotineira e só hoje vejo este grande quadro, com a pureza dos sentimentos a encontrarem a transparência dos pensamentos.
Estas lágrimas são a minha única companhia.
A única réstia de verdade.
A única forma de te sentir a partir.
A única confissão que darei ao mundo.
E todos pensarão que sou uma parva sentimentalista que não devia estar a fazer este espectáculo, pois nem te conhecia bem.
Quando conheci tudo aquilo que sempre quis conhecer da humanidade concentrado numa só pessoa.
Porque estas lágrimas não são só por ti.
São por aquilo que fomos e não mais seremos – Fomos a descoberta do mais belo dos sentimentos com a mesma força e intensidade no mais curto espaço de tempo.
Adeus Álvaro.)"

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